segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Curtindo a vida adoidado, com Caio F.

Caio Fernando Abreu, em foto de capa da coletânea "Cartas",
lançada em 2002 (Editora Aeroplano)


Um dia, quando conversávamos sobre casamento, Caio Fernando Abreu me disse: “Tu não és mulher de um homem só, não deves te juntar a ninguém no amor, pois tens na mão a linha do amor maldito”. Este veredicto lateja em mim há 32 anos. Muitas vezes, encanta-me pensar nele e em como ele me torna, no mínimo, uma pessoa diferente.

O adjetivo “diferente” adequa-se bem ao tempo em que eu colei no Caio. A primeira vez em que o encontrei foi numa repartição pública de Porto Alegre, onde eu e vários intelectuais, ligados ao teatro e à literatura, trabalhávamos. Caio costumava nos visitar. Era um ambiente especial, onde a criatividade fervia e se derramava, às vezes se transformando em projetos. Na maioria das ocasiões, porém, era puro exercício de criação, do qual saíam ótimos textos, histórias e, claro, muitas risadas. Foram inesquecíveis os saraus literários, improvisados, em idas tardes da década de 1970.

Os textos e histórias produzidos naquela época geraram personagens, os quais, tenho certeza, vivem até hoje em nosso imaginário: Urânia Berloknabutz, para Irene Brietzke, Cacilda Cloche, para o Caio, e Noca Butão, para Mirian Ribeiro. Todos com direito a álbuns com fotos, ilustrando a vida de cada um – e é óbvio que a vida deles sempre era repleta de fatos exóticos e duvidosos.

Este clima de “curtir a vida adoidado” fazia parte daquele tempo. Tínhamos sede de liberdade, para amar, escrever, atuar e pintar. Estávamos buscando intensidade e novas percepções em nossas vidas. Éramos uma trupe. Saíamos em bando, sempre a pé, pois era mais seguro e, também, mais divertido. Atores, diretores, dramaturgos, músicos, escritores, artistas plásticos e bailarinas. Quase sempre, começávamos participando de um vernissage. Depois, esticávamos a noite em bares e ‘inferninhos’ da época.

O ponto alto era terminar a noite no Encouraçado Butikim. O Caio era amigo do dono, Ruy Sommer. Naquele tempo, praticamente toda semana havia shows por lá. Lembro-me de um em especial, com a cantora Claudete Soares e o pianista Pedrinho Mattar. Imaginem Caio e eu, sentados bem perto do piano, chorando muito, ao ouvir os lamentos de uma bela canção dor-de-cotovelo.

Este “rodenir” durou uns dois anos. Logo depois, eu não segui o conselho do Caio e me casei. Ainda nos encontramos algumas vezes, mas ele acabou indo para Sampa e, em seguida, para grandes temporadas na Europa. Nunca vou esquecer as noitadas, os papos, as risadas. Tudo isto vive até hoje junto comigo. Faz parte de minha história.

Quando eu soube que ele era ‘positivo’, tentei me aproximar novamente. Caio estava perto, em Porto Alegre, mas evitou me encontrar. Até hoje eu tenho dúvidas: por quê? Será que foi para preservar, na memória, um tempo muito feliz que passamos juntos? Ou...
Mírian Ribeiro

(texto originalmente publicado na webrevista Usina Pazza)

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